48%
dos 268 mil candidatos aprovados em vestibulares para o ensino superior público em 2007 entraram em universidades federais |
O modelo novo seria um meio-termo entre o formato atual do Enem e o vestibular tradicional: aquele que exige conteúdo extenso e memorização de regras que o aluno raramente vai usar ao longo da vida. Ainda muito adotado em universidades públicas e privadas, esse formato é tido como antiquado pelos especialistas em avaliação. “Eu trabalho com línguas e vejo perguntas de português em alguns vestibulares que não saberia responder sem consultar uma gramática”, diz Gisele Gama, especialista em avaliação educacional. Um exemplo de prova assim é o vestibular da Universidade Federal do Ceará. Em 2008, algumas questões de língua portuguesa apenas verificavam se o candidato lera os livros pedidos. Para isso, uma delas pedia que ele ligasse o nome do personagem a sua descrição.
A principal mudança será inserir a cobrança de conteúdo, sem abandonar a exigência pelas habilidades. “Não somos contra a memorização”, diz Reynaldo Fernandes, presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), órgão responsável pela reformulação do exame. “O problema é decorar um monte de informações e não saber aprofundar nada.” No novo Enem, o aluno vai ter de aplicar o conteúdo para resolver problemas em situações novas. São caminhos que não podem ser decorados por meio da prática repetitiva na escola ou no cursinho. O candidato deverá saber as características gerais dos personagens dos livros que vão cair na prova. Mas, além disso, pode ser chamado a encontrar a semelhança entre o comportamento de um personagem e dos jovens brasileiros – relacionando a interpretação do livro com uma tabela estatística do Censo.
Candidatos fazem o Enem no Rio de Janeiro. Com a mudança, serão quatro provas divididas em dois dias
Para elaborar a proposta, o governo se inspirou no sistema americano de avaliação do ensino médio, o SAT, que também funciona como porta de entrada para as universidades. Além da nota, cada universidade tem outros critérios para selecionar alunos.
No Brasil, o vestibular da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em São Paulo, é um dos mais próximos do formato proposto para o Enem. A mudança começou em 1987, quando a universidade deixou de usar a Fuvest (o vestibular da Universidade de São Paulo) como prova de seleção. “A Fuvest mudou de lá para cá, mas, na época, houve um diagnóstico de que tinha pegadinhas e decoreba, o que dava vantagem a alunos treinados para a prova e com conhecimento enciclopédico”, afirma Leandro Tessler, coordenador do processo seletivo da Unicamp.
No novo vestibular da Unicamp, as perguntas passaram a valorizar a leitura, a interpretação e o raciocínio. As fórmulas de física e a tabela periódica estão todas lá, no enunciado. A surpresa é que o perfil dos alunos aprovados quase não mudou. O impacto maior foi sobre as escolas da cidade. “O vestibular era uma referência e, com a mudança, elas mudaram também. Passaram a trabalhar o conteúdo de maneira mais contextualizada e a procurar desenvolver o raciocínio dos alunos.”
Se o modelo for aceito na rede federal, há a possibilidade de se expandir às redes estadual e privada. Algumas instituições que já usam o exame como um dos critérios podem aumentar o peso do Enem na classificação. É o caso da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Seu vestibular é composto de prova objetiva, discursiva e redação. Se for superior à nota da objetiva, o Enem prevalece. Mas o peso maior ainda é para o exame discursivo. Segundo Ana Maria Zillocchi, coordenadora do vestibular da PUC-SP, a instituição vai observar o processo nas federais para repensar, no futuro, o peso do Enem em sua classificação: “Ainda é muito cedo para falar, mas a ideia é boa”.
O vestibular tradicional cobra conteúdo |
---|
A questão de matemática abaixo, que caiu no vestibular de 2008 da Universidade Federal do Ceará, pede para o aluno resolver um cálculo de matrizes |
Formato: para chegar à resposta, o aluno pode simplesmente repetir a fórmula para multiplicação de matrizes que praticou na escola. A questão não verifica se ele aprendeu o conceito de matriz ou se ele saberia usar o cálculo em um contexto diferente |
O Enem hoje mede o raciocínio |
---|
A questão abaixo estava no Enem de 2008. Ela pede ao aluno para fazer um cálculo a partir de um carnê de mensalidade escolar |
Formato: a questão não exige conhecimento específico de matemática. Para chegar à resposta, basta que o aluno relacione e interprete as informações dadas pelo enunciado |
O novo Enem deverá exigir conteúdo e raciocínio |
---|
O vestibular da Unicamp tem um formato próximo ao que pode ser o novo Enem. A questão abaixo, de 2008, pede ao aluno que resolva um problema a partir de uma situação concreta |
3. Considere a sucessão de figuras a seguir. Observe que cada figura é formada por um conjunto de palitos de fósforo. |
A) Suponha que essas figuras representam os três primeiros termos de uma sucessão de figuras que seguem a mesma lei de formação. Suponha também que F1 , F2 e F3 indiquem, respectivamente, o número de palitos usados para produzir as figuras 1, 2 e 3 e que o número de fósforos utilizados para formar a figura n seja Fn. Calcule F10 e escreva a expressão geral de Fn. B) Determine o número de fósforos necessários para que seja possível exibir concomitantemente todas as primeiras 50 figuras. |
Formato: o aluno pode responder à questão apenas raciocinando sobre as informações do enunciado, mas isso lhe tomaria muito tempo (no item B, mais do que ele dispõe para fazer a prova toda). Para resolver com agilidade, ele precisa identificar a fórmula que se aplica à situação proposta: fórmula para obtenção de termo da progressão aritmética |
O gabarito |
---|
Confira aqui as respostas para as questões da página anterior |